E estão completas as duas primeiras semanas de trabalho em Mangalore,
no Father Muller Medical College Hospital (FMMCH)! É um hospital católico, de caridade e economicamente situa-se algures
entre o público e o privado. Tem aproximadamente 1250 camas e estão disponíveis a maior parte das
especialidades e exames auxiliares de diagnóstico.
A entrada principal |
Os diferentes edifícios que fazem parte desta instituição |
Escola de Enfermagem |
A Biblioteca é enorme e óptima para estudar! |
A igreja tem uma posição central |
A primeira fase foi a das burocracias, entre papéis e formulários, fotografias e fotocópias do passaporte... Aparentemente os indianos herdaram as formalidade e burocracias do colonialismo britânico! Após várias idas a inúmeros gabinetes, finalmente somos oficialmente “guest students” do hospital! E com nomes e fotos em versão indiana! ;)
Mr Philipe Machado and Ms Patricia Corniero |
Viemos para o FMMCH por indicação de um antigo colega do Prof. Ponte, que depois de ter trabalhado em vários locais voltou para a Índia. É cirurgião cardíaco no FMMCH e num outro hospital na cidade. Para nós tem sido uma grande ajuda, mesmo fora do hospital, preocupou-se em orientar-nos na chegada à cidade, apresentou-nos ao serviço, facilitou a procura de alojamento e das viagens de comboio e é para nós a pessoa de referência se houver algum problema maior.
Na componente médica, quando tem cirurgias mais interessantes convida-nos para ir assistir e enquanto lá estamos, explica o que vai fazendo e preocupa-se em que estejamos a perceber, até porque normalmente são cirurgias complexas e algo demoradas.
Nesta cirurgia fizeram um bypass coronário (CABG), com o coração a bater, algo que mesmo na Europa é pouco frequente. |
Nesta primeira fase, vamos estar enquadrados no serviço de Cardiologia durante 3 semanas, sob a orientação do Director de serviço, que também faz parte do Indian College of Cardiology como um dos 6 Governing Council Members, e a Índia é um país bastante grande!
Apesar de ser um médico muito solicitado, o Dr Prabhakar tem estado bastante disponível para estar connosco e com o médico interno que está a acompanhá-lo. Diariamente vemos os doentes e discutimos os casos nas visitas médicas, treinamos o exame objectivo do doente (e os indianos são muito mais detalhados nisto que nós), temos momentos de discussão teórica e interpretamos ECG's, radiografias torácicas e ecocardiografias. Nos "tempos mortos" basta-nos ir à sala de Cardiologia de Intervenção que de certeza há uma arteriografia ou uma valvuloplastia que podemos ver!
A entrada da Cardiologia de Intervenção |
Por outro lado, temos percebido que os Indianos investem bastante mais que nós no
exame objectivo, procuram realmente todos os sinais possíveis e
os livros pelos quais eles estudam são ainda mais detalhados dos que os nossos
nesta secção.
Como o clima é tropical e há muitas pessoas muito pobres, que vivem sem as condições consideradas básicas (e o padrão de condições básicas é claramente diferente do nosso), acabamos por ver imensa patologia infecciosa (cardíaca e não só) e valvular.
A pouco e pouco vamos ficando com o ouvido mais treinado! |
Encontramos imensas infecções mesmo estando na Cardiologia |
A dar os primeiros passos na Ecografia |
Aqui, todas as discussões médicas são em inglês e isso
facilita imenso a nossa integração e participação (a não ser quando o sotaque indiano é mais marcado e dificulta um bocadinho!). Esta semana houve 2 momentos
de discussão de caso, em que se juntam o especialista, o médico interno e nós
como alunos numa sala com o doente. A história clínica é apresentada e são
discutidos aspectos teóricos relacionados. Ao mesmo tempo vai-se observando na
pessoa os sinais que se vão descrevendo.
Para a pessoa, é 1 hora dentro de uma sala a ouvir termos
médicos estranhos e a ser observado por vários médicos, mas os doentes não se
parecem importar. Em termos de aprendizagem, este método é interessante porque permite
confrontar diretamente se as técnicas de exame físico são correctamente realizadas e em seguida perceber a explicação por trás das mesmas.
Temos também assistido às consultas externas, que são feitas
por todos os médicos simultaneamente na mesma sala com um fluxo enorme de
doentes a entrar e sair. São vistos mesmo muitos doentes, mas
com muito menos privacidade e tempo dedicado a cada pessoa. Acaba por fazer sentido neste contexto.
Algumas diferenças interessantes:
- Ida para o Hospital
De riquexó! Há sempre um a passar e são
baratíssimos, uma óptima maneira de começar o dia e fazer os 15 min para o
hospital, a levar com o vento e a brisa dos escapes na cara.
- Zonas limpas
Para entrar em zonas limpas, como a sala de
cateterização ou os blocos, temos que tirar o calçado da rua e mudar para calçado
específico. Até aqui, nada de novo... Ou então... Como explicar isto? Bem, o melhor
é mesmo mostrar:
As "socas" de cá, também conhecidas por… Havaianas! |
Espera-se que não pingue sangue para os pés! |
- Os processos e a relação com o dinheiro
Aqui é tudo em papel e feito à mão, nada
diferente do que seria de esperar:
O que é diferente é que, pelo facto de não
ser um hospital do governo, as pessoas tem que pagar parte dos seus cuidados.
Isto é, todas as pessoas são atendidas, mas a componente de caridade do hospital apenas assegura os cuidados médicos mínimos indispensáveis enquanto há camas
disponíveis. Mas não assegura os procedimentos invasivos/ exames complementares
de diagnóstico necessários. E é o médico que tem que gerir estas situações
financeiras, o que nos parece um trabalho terrível! No entanto, para eles é normal discutir com os doentes se eles têm ou não capacidade financeira para pagar os tratamentos e aceitar que o cuidado prestado dependa da
capacidade de pagar.
De facto, temos assistido a muitos casos de enfartes que apenas recebem tratamento farmacológico porque a maior parte das famílias aqui não pode suportar os custos de uma angioplastia.
De facto, temos assistido a muitos casos de enfartes que apenas recebem tratamento farmacológico porque a maior parte das famílias aqui não pode suportar os custos de uma angioplastia.
- Um aviso à entrada do hospital
À primeira, também estranhámos! Mas tem uma razão de ser!
As pessoas levavam os cocos para o hospital para dar a beber a água de coco aos seus familiares doentes. Claro que, como a maior parte do lixo aqui, a parte de fora do coco segue directamente para o chão, e normalmente até fica com a abertura para cima.
Quando chove, enche de água, ficando exactamente com as condições que os mosquitos gostam para se replicarem! E com os mosquitos, as doenças das quais eles são vectores! Assim, tiveram que cortar completamente com os cocos no hospital como medida de higiene, principalmente anti-Malária!
- Os almoços
Têm sido na cantina do hospital, sempre os
mesmo 8/10 pratos, seja ao pequeno-almoço, almoço ou jantar. Por enquanto ainda não nos
fartámos, e como estamos cada vez mais habituados ao picante, começamos a
conseguir distinguir os sabores por trás daquele ardor na boca e dos olhos a chorar. Quanto ao preço, tem ficado entre 45-85 rupias (0,50€-1€)... Para os 2,
claro!
Aqui come-se normalmente com a mão (a direita, que a esquerda está reservada para outro tipo de trabalhos menos limpos), o que deixa sempre os dedos com uma cor que depois custa a sair! Mas na cantina até nos têm dado garfos!
A entrada da cantina |
Algumas das iguarias que temos experimentado |
Prato bem arranjado, mas com um ar assassino de tanto picante! |
As Parotas também são muito comuns aqui |
Vamos agora entrar na última semana de Cardiologia em Mangalore e a seguir começamos na Medicina Tropical, aí sim com doenças bem diferentes do que estamos habituados! Mas não podíamos deixar este Hospital e esta cidade sem ver como eles fazem chegar a ajuda médica às comunidades rurais aqui à volta e às pessoas que não têm condições financeiras para aceder aos cuidados hospitalares. Mas isso fica para os próximos posts!