domingo, 26 de janeiro de 2014

Há festa no bairro!

Quem diria que com tão pouco tempo num sítio tão diferente nos poderíamos sentir bem acolhidos no bairro onde vivemos?
A cozinha da nossa casa, com direito a vista para a vizinhança
Decidimos vir para a Índia com sítio para estagiar mas ainda sem casa para ficar. Quando nos candidatámos ao estágio, o hospital propôs que ficássemos em residências dentro do complexo Universidade-Hospital, mas para além de terem um aspecto muito velho e serem residências masculinas ou femininas (exclusivamente), eram demasiado caras para o que nós tínhamos pensado que seria o custo das casas na Índia!

E assim decidimos vir à descoberta, sem sítio definitivo para ficar!! Ao chegar à cidade, durante os primeiros dias fomos acolhidos na casa da nossa Família Índiana, de quem falámos no último post, e acabámos por ficar com eles 1 semana porque encontrar casa foi muito mais difícil do que estávamos à espera. Talvez pela “curta duração” ou por sermos estrangeiros não queriam alugar-nos a casa ou pediam-nos sempre preços altos.

Foi com a ajuda de um médico nosso amigo que acabámos por ficar numa casa de família que está a ser remodelada e ampliada mas que ainda não está habitada. E foi assim que conhecemos o Sr. Padmanabha e a Sra Ambicka, os nossos senhorios.


São um casal na casa dos 60 anos, hindus e bastante conservadores. Como têm os filhos, que são pouco mais velhos que nós, a estudar e trabalhar fora do pais, vivem apenas os dois numa moradia com 2 pisos, fazendo o seu dia-a-dia no piso de baixo. Nós ficamos no piso de cima, que está praticamente a estrear. De certa forma, acabámos por ser adoptados por esta família. 
Mesmo sem nunca termos pedido, eles tiveram sempre a iniciativa de nos dar pequenas ajudas nas coisas do dia-a-dia: 
  • a maior parte das manhãs levam-nos pequeno almoço: umas "idly" ou um bolo tipo panqueca com um molho picante e chá; 
  • muitas vezes aproveitamos que entramos à mesma hora que o senhorio para ir com ele e o seu motorista até ao hospital;
  • Prepararam várias vezes comidas locais para jantarmos;
  • Quando chegamos mais tarde chegam a ligar preocupados a saber se está tudo bem connosco! Segundo dizem, há uma família a ajudar o filho deles na Austrália, então acham que devem retribuir fazendo o mesmo por alguém!
O exterior da casa onde ficámos, os senhorios vivem no rés-do-chão, nós ficamos no piso de cima.
O ambiente do bairro, normalmente calmo
O bairro é de pequenas moradias e todos se conhecem. É um ambiente familiar que acaba por ser bem mais interessante do ponto de vista cultural do que estar a alugar um apartamento sem conhecer ninguém. Aqui as pessoas sabem de onde somos e o que estamos cá a fazer. Algumas já nos convidaram para as visitar nas suas casas quando quisermos. De alguma forma, tentam fazer-nos sentir em casa longe de casa.

Como tinhamos cozinha, aproveitámos para tentar fugir ao picante de vez em quando e preparar os alimentos à nossa maneira. As restrições dos senhorios eram só duas… Nada de carne de vaca ou de porco, de resto podiamos cozinhar o que quiséssemos.


Jantar com cinema incluido
Uma refeiçao feita a meias com a senhoria
A casa enfeitada de um casal que acabou de se casar e mudar para o bairro. Os restantes moradores juntaram algum dinheiro que ofereceram aos noivos como prenda de boas vindas ao bairro.

A princípio pensámos que fosse algum fanático do Natal que viu demasiados filmes americanos, mas afinal era para celebrar o casamento
Esta zona tem uma festa anual que para nossa sorte coincidiu com a nossa 2ª semana no bairro. Claro que aceitámos logo quando fomos convidados, embora nem soubéssemos bem ao que íamos. Ao chegarmos, já a festa estava a andar, palco montado, muitas luzes, o som bem alto e pessoas a atuarem. 
Rapidamente percebemos que eram as próprias pessoas do bairro, de várias gerações, que iam mostrando os seus talentos, fosse a cantar, a dançar ou a tocar.

Uma exibição de dança tradicional a solo, com todos os adereços típicos
O grupo das mães e avós do bairro, que todos os anos treinam para a exibição da festa anual 

Todos os anos se juntam alguma das mães e avós do bairro... este ano juntámo-nos nós a elas!
Ainda nos ofereceram o jantar... MUUUITO picante!
Nos intervalos, as crianças subiam ao palco para dar espectáculo!
No final houve um pequeno jogo entre todos, tipo bingo, com vários prémios. Deram-nos um cartão para a mão a dizer que também tínhamos que participar... jogámos, claro! Foram dizendo os números, e fomos percebendo que nem estava a correr mal... A certo ponto, fomos os primeiros a preencher a linha de baixo! 



Quem estava ao nosso lado apercebeu-se e gritou LINHA! Lá confirmaram que os portugueses vieram ganhar os prémios das pessoas do bairro ;) E assim ficámos 250 rupias mais ricos (sim é muito dinheiro… nem vale a pena estar a pôr em euros)!



E assim tem sido a vida no bairro do qual nos estamos quase a despedir. Amanhã partimos para Goa para começar um novo capítulo desta aventura!



quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Medicina Tropical

As 3 semanas de Cardiologia no Father Muller foram úteis para conseguirmos perceber bem e nos integrarmos na organização do Hospital e do serviço, rever muitos dos temas da Cardiologia (com a ajuda preciosa daquele grande livro "cujo nome não deve ser pronunciado") e claro, ganhar alguma experiência com os doentes desta especialidade.

A equipa da Cardiologia
Ao longo deste tempo acabamos por perceber que a grande especialidade aqui é a Medicina Interna, para onde a maioria dos doentes são encaminhados. As restantes disciplinas médicas são como super-especialidades, mais orientadas para procedimentos invasivos e aconselhamento em casos clínicos mais complexos.


Outra diferença é que na Índia são raros os serviços de Infecciologia. Existem alguns centros especializados em Medicina Tropical no país, mas a grande maioria dos doentes são tratados pela Medicina Interna de cada hospital, visto que aqui as doenças infecciosas são uma grande parte das idas ao Hospital. O sul da Índia tem um clima tropical com médias elevadas de temperatura e humidade durante a maior parte do ano. Isto, juntamente com as condições de higiene e hábitos culturais como o comer com as mãos e mesmo o comer no chão, fazem com que estejamos num paraíso não só para nós mas para todos os pequenos seres que gostam de conviver connosco! E foi nesse contexto que decidimos fazer na Índia a rotação de Infecciologia que normalmente teria sido no Hospital de Faro.

Um aviso importante, mas nem sempre respeitado...
Fomos colocados na Unidade E da Medicina, com o Dr. Arunachalam e a sua equipa. Acabamos por perceber que não foi por acaso... como “vinham 2 estrangeiros” colocaram-nos no serviço com um dos melhores tutores clínicos do hospital, e isso fez toda a diferença!

A equipa da Medicina E
Os médicos mais novos da equipa, que foram uma óptima companhia e ajuda neste estágio!
Foram duas semanas muito interessantes, passadas entre as longas rondas pelo hospital, com discussão sobre cada caso; a consulta externa, sempre com imensos doentes e as urgências, caóticas e onde se vê um pouco de tudo o que raramente vemos em Portugal. Aproveitamos ainda para ir a algumas aulas teóricas com os alunos de Medicina e para assistir a discussões de caso diárias que fazem parte do programa do internato médico. No serviço, acompanhámos uma equipa jovem mas muito dinâmica e trabalhadora e que nos acolheu muitíssimo bem!

Uma das salas de aula do curso de Medicina
Aulas de discussão de caso, com o doente avaliado presente na sala
A consulta externa não foi muito diferente do que estamos habituados em Portugal. A maior parte foram seguimentos de pessoas com Hipertensão e Diabetes, ou que tinham tido alta poucos dias antes mas também acabámos por ver muita patologia reumática porque o nosso tutor era a pessoa de referência nessa área neste Hospital. Num dos dias foram vistos mais de 200 doentes por 3 especialistas e respectivos internos, tendo sido internados cerca de 25.

O material de trabalho da consulta externa








Nas urgências, conseguimos ver também alguns casos interessantes, desde tentativas de suicídio com comprimidos, AVC's, enfartes do miocárdio, crises asmáticas agudas e entre outras uma mordedura de cobra – aparentemente muito comum, em que o doente, ou melhor, os familiares que o acompanhavam trouxeram a cobra para o hospital para mostrar aos médicos. Embora a cobra estivesse morta dentro de um saco, quando o abriram foi um momento de suspense em que toda a gente se afastou... Nunca se sabe!

As ambulâncias mais modernas que servem o hospital
Explicaram-nos que as pessoas eram ensinadas a trazer sempre que possível a cobra para o Hospital para que o médico pudesse identificar a espécie e administrar o antídoto adequado. E claro, para isto os médicos têm que estudar para conseguir distinguir os diferentes tipos de cobra que por aqui existem e os respectivos tratamentos!

Quartos de isolamento "arejados"...

As enfermarias comuns são em open-space, com mais ou menos 18 camas cada
Vista dos pisos das enfermarias sobre o Hospital
Estudantes de Medicina a terem uma aula prática. Lá à frente está um dos médicos da nossa equipa a ensinar exame físico do doente.
Simulação de actuação em caso de paragem cardiorespiratória.
Uma constante nas enfermarias e nas consultas externas e que motivou o nosso interesse neste estágio foram as doenças infecciosas / tropicais a que não estamos habituados em Portugal. Tivémos oportunidade de ver alguns doentes com Malária, Dengue, Leptoespirose, Filaríase, Esplenomegalia tropical, Tuberculose, Endocardite, Encefalite, Meningite, Sépsis e Pneumonias... Um bom contacto com a Medicina Tropical para apenas 2 semanas! As discussões teóricas com o tutor foram sempre até ao mais pequeno detalhe e quando deixávamos de conseguir responder, mandava-nos estudar para a ronda seguinte (o que nós fazíamos no intervalo dos capítulos do Harrison!). 

Quando já não sabes em que posição hás-de estudar o Harrison!
Um dos médicos da nossa equipa fez anos no nosso último dia de estágio

Aparentemente a tradição aqui é que a primeira fatia vá directamente para a cara do aniversariante
Parabéns!!!
Foram 2 semanas óptimas tanto pelo que pudemos aprender e ver como pelas pessoas que conhecemos no serviço. No final, ainda recebemos uma carta de recomendação da parte do Director do Departamento de Medicina do Hospital.


E assim fechamos o capítulo do Father Muller, mas para já ainda ficamos na cidade mais uma semana... Nestes últimos dias acabou por surgir a oportunidade de passarmos uma semana no Hospital público da cidade, para onde vão os doentes que não têm condições para pagar o seu tratamento, o Wenlock (nota: não se deixem enganar pelo aspecto limpinho do site...). 
Fomos também convidados para 2 casamentos, um cristão e outro hindu, sendo o primeiro aqui em Mangalore já no próximo fim de semana!


Mas isso fica para os próximos episódios!

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Família Indiana

Chegámos à Índia há precisamente um mês, sem conhecer nada nem ninguém.
Viémos à descoberta não só de sítios, cores, sabores e cheiros, mas também de pessoas.

Como sabem passámos o período das festas longe de Portugal e se a passagem de Ano é para passar o mais longe possível da família (e com amigos!), o Natal não é Natal se não reunirmos a família toda à volta de um bom bacalhau ou perú (ou os 2!), seguidos dos tradicionais doces de Natal e dos mais novos a abrir presentes.

Aqui este ano o Natal foi diferente. Para dizer a verdade custou-nos um bocadinho passar o dia tão longe mas felizmente conhecemos uma família indiana, que nos acolheu na primeira semana aqui e nos ajudou na árdua procura de casa e que, apesar de serem hindus e não celebrarem o Natal, fizeram com que para nós fosse um bocadinho Natal. Cozinhámos bacalhau à Brás e arroz doce para eles provarem e eles fizeram as habituais maravilhas culinárias super picantes!

Aqui come-se no chão, sem talheres e usando apenas a mão direita
Ceia de Natal
Almoço de Dia de Natal
Sim, encontrámos o Pai Natal indiano!
A Sia é a dona da casa e, ao contrário das típicas famílias indianas geridas por homens, é ela que cuida da família. É empresária e gere a sua empresa de venda de artigos religiosos que ela própria escolhe e publicita. Preocupa-se em escolher jovens de famílias mais necessitadas para trabalharem para ela pois considera que deve usar a sua empresa não só para sustento próprio mas para ajudar quem puder à sua volta. 



O pai da Sia, é o indiano mais querido que conhecemos até agora. Tem 70 anos mas ainda trabalha, 7 dias por semana, numa empresa de distribuição de materiais por várias outras empresas. Apesar da idade, nunca pára e está sempre pronto para a brincadeira. Ficámos muito sensibilizados quando nos disse, num inglês muito característico e engraçado, que já fazíamos parte da família.

A mostrar as suas prendas de Natal
Os tradicionais Lungis, como ele, diz "air conditioned"!
O avô com os 2 netos... Estilo Máfia indiana!

Por fim, o Shushruth, é o sobrinho da Sia, tem 15 anos e é de uma aldeia dos arredores de Mangalore. Vive com a Sia porque assim fica mais perto da escola, visitando os pais e irmãos apenas aos Domingos. É um miúdo super educado e muito ligado à família. Basta ver como ele todas as noites garante que o avô tomou todos os medicamentos antes de se ir deitar...


A ajudar a fazer o jantar... 
Durante o tempo em que estivémos com eles, muitos foram os momentos de brincadeira e boa disposição. 


Acabámos por descobrir um novo talento na fotografia!
 


A falar no Skype com a família portuguesa!
Os nossos cozinhados, que para eles não sabiam a nada!
A Passagem de Ano foi também bastante diferente e, ao contrário do Natal, não trocávamos a noite na praia, com 30ºC, fogueiras e jovens a tocar guitarra e jambé, fogo de artifício e o som das ondas do mar, pelo frio que se fazia sentir em Portugal!
Foram 2 dias muito bem passados em Gokarna, perto de Goa. Gokarna significa "orelha de vaca" pois é este o formato da convergência de 2 rios que terminam nesta cidade e é também de onde se acredita que emergiu o Lord Shiva, o Deus Supremo do Hinduismo, da orelha da vaca Prithvi, a "Terra-mãe".  Esta é portanto uma cidade com um grande simbolismo religioso, muitos templos e muito visitada por turistas interessados na verdadeira cultura indiana. 
A chegada de comboio a Gokarna, 4h30 depois...

Se fosse em Portugal, chamavamos-lhe Matilde!
Cores e mais cores!


Vai um mergulhinho?!
Vendedor de peças de ouro, sobretudo religiosas.
Uma família indiana que nos chamou para tirarmos uma foto com eles!
... e depois adoram ver o resultado!
Passeando pelas ruas de Gokarna...

Alguém consegue encontrar o pormenor cómico da foto?!
A noite foi passada na Praia OM (também esta com profundo simbolismo religioso porque a sua costa tem o forma do OM, o mantra mais importante do hinduismo). Aqui existem muitos sítios para comer e passar a noite. Um género de pousadas de praia, com cabanas pequeninas e esplanadas, com boa comida e a um preço espectacular (Feitas as contas gastámos menos de 20 € em estadia, transporte, comida e souvenirs... os 2!).

Chegada à praia



O sítio onde ficámos a dormir na noite da Passagem de Ano
Sempre em boa companhia!
Pôr do sol na praia



A brincar com as luzes para a foto...
A Daisy, uma Holandesa que trabalha na Índia como voluntária e que conhecemos em Gokarna... 

Shushruth em versão estrela de Bollywood! 
Já muito perto da contagem decrescente para o novo ano!


No dia seguinte esperava-nos um óptimo pequeno almoço no bar de uma família muito simpática e com uma bela paisagem. Nada melhor para começar o novo ano!



Tosta de queijo e tomate, galão, salada de frutas e papas de aveia... Que saudades!

Higiene capilar

Jogos tradicionais
E assim foram as nossas festas e também os nossos primeiros dias de integração neste país de costumes tão diferentes dos nossos. Agora já temos casa alugada (depois mostramos fotos!) mas continuamos sempre a encontrar-nos e a combinar passeios com a nossa família indiana... Afinal, família é família! E encontrá-la foi das melhores coisas que nos aconteceu aqui até agora!